A pesca da sardinha dá mais trabalho do que lucro

São longas horas de mar para pouco peixe na rede. A Renascença embarcou numa traineira e testemunhou que a pesca é também a arte de fazer contas.

 

Doze horas a bordo de uma traineira. Uma noite inteira de trabalho para responder à procura da sardinha nos mercados. Estamos em vésperas de santos populares, não é a melhor altura para a sardinha. Pelo menos, não é a altura do ano em que este peixe é melhor.

“A sardinha no ponto é gorda, grande, e, quando vai a assar, pinga. Só no fim de Junho, Julho, é que a sardinha está no ponto”, explica Carlos André Maio, um dos 16 homens que se fizeram ao mar na primeira noite de Junho, no porto da Póvoa de Varzim.

Fonte: DECO

O resultado da faina são quatro toneladas de peixe, mas só pouco mais de metade é sardinha. É manifestamente pouco para compensar os custos: “uma noite de trabalho são 700 a 800 euros só em gasóleo”, lamenta Virgílio Miguel. O patrão da embarcação reconhece que, até ao momento, ainda não conseguiu “pagar à rapaziada”.

Virgílio chega a temer que, no final da época, não seja possível “caçar a sardinha que devíamos caçar”. O mesmo é dizer ficar abaixo da quota estabelecida pela União Europeia, que fixa um limite de 6.800 toneladas para a frota portuguesa.

Fonte: INE

Só que, nesta altura do ano, o preço do cabaz está indexado à qualidade do produto. Dezasseis euros por cabaz (cerca de 22,5 quilos) é o preço estabelecido na lota de Matosinhos.

“Muito mau”, diz Carlos André, que reconhece, ainda assim, que “a sardinha ainda está seca”. Com o aproximar dos santos, o preço tende a aumentar: “as pessoas compram sempre, tenha qualidade ou não”.

Uma ideia partilhada pelo patrão, Virgílio Miguel, que acrescenta “a sardinha ainda é escassa”. E vem à rede misturada com a cavala.

António dos Santos, outro dos pescadores desta embarcação da Póvoa de Varzim, está na banca improvisada à saída da traineira “a apartar o peixe”. Entre sardinha e cavala “é meio por meio”.

Durante a madrugada, a tripulação capturou cerca de quatro toneladas de peixe. Foram dois lanços de rede ao mar. Dois cercos montados ao largo de Matosinhos, onde a sonda detectou os cardumes mais abundantes, após três horas de procura.

Marília Freitas / RR

No entanto, as doze horas de trabalho renderam não mais do que 200 euros. “Nem dá para pagar o gasóleo”, desabafa Virgílio Miguel.

E o que fazer a tanta cavala? São aproximadamente duas toneladas de peixe que não apresenta os 20 centímetros de comprimento mínimo para ser vendida. Virgílio exemplifica: “Esta tem 18 ou 19 centímetros. Por dois centímetros vai fora, vai ao mar.” E vai morto. Mas o patrão garante que teria clientela: “a vender a cinco ou seis euros o cabaz, parece que não, mas já dava para o gasóleo. As fábricas querem este peixe para a conserva para Itália, porque os italianos gostam disto”.

Contra o que classifica como um desperdício sem lógica, Virgílio pede ao governo que repense, por exemplo, a hipótese de uniformizar o período de captura para todas as espécies que podem ser pescadas pela arte do cerco.

 

fonte e vídeo: Rádio Renascença, 08.06.2017

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